Maddie: Peritos acham que media têm exagerado na cobertura
Os media têm exagerado na cobertura jornalística do caso da menina inglesa que desapareceu no Algarve, ocupando demasiado tempo e espaço e transformando o tema numa espécie de reality show, consideraram especialistas em comunicação.
A cobertura do caso, que começou há mais de duas semanas, «tem decorrido com excessiva paixão, excessiva emoção e com menor rigor», afirmou o professor de ciências da comunicação da Universidade Nova de Lisboa, Francisco Rui Cádima, adiantando que os media têm tentado contornar a «falta de informações objectivas e de briefings regulares feitos por responsáveis e investigadores policiais» com uma «tendência para romancear», como forma de «manter a audiência fidelizada e expectante ou encher a qualquer custo as primeiras páginas dos jornais do dia seguinte».
Considerando que a informação tem evoluído para a «espectacularização do real», dando «prioridade à actualidade trágica, à catástrofe e ao fait-divers», o docente julga que deveria ser feito «mais jornalismo e menos novelização», com «mais objectividade e menos suposições» e «menos emoção e mais razão».
«Este deveria ser, inclusivamente, um tempo e um tema absolutamente oportuno para os media se verem ao espelho e se pensarem a si próprios», defendeu Cádima, embora admita existir «uma hipersensibilidade, entretanto adquirida pelas audiências», considerando necessário, se bem que «pouco provável», que seja «emendada a mão.
Também o presidente da Associação de Telespectadores (ATV), Rui Teixeira Mota, classificou a cobertura que os media têm feito do caso Madeleine como um «um excesso e uma overdose de informação», acrescentando que, «se cada vez que ocorresse um caso destes, fosse tratado desta maneira, a informação era só sobre estes casos».
Teixeira Mota admitiu que o desaparecimento da menina inglesa e todos os pormenores que se seguiram formam uma espécie de «CSI da informação» que aumenta «o interesse no caso», mas lembrou que «a informação não se esgota neste tema».
Apesar de apontar exageros a todas as televisões, o presidente da ATV considera que a RTP, «porque tem outras responsabilidades como serviço público», não devia «abrir todos os telejornais com o caso Madeleine e estar no ar mais de 10 ou 15 minutos» seguidos com o mesmo assunto. «Há uma concorrência desenfreada» entre meios e até «uma certa competição entre os media portugueses e os ingleses» que parece levar a «um campeonato de nacionalismos», que resulta numa cobertura «profundamente discriminatória» para com outros casos de crianças desaparecidas, defendeu.
Num caso como este, é indispensável «utilizar sensibilidade e bom senso, mantendo um perfil de rigor e de serenidade», avançou, por seu turno, o presidente da associação de consumidores de media (AC Media), Nuno Van Amann de Campos, que reforçou a ideia de que o caso tem tido «demasiado tempo de antena», afirmando que tem estado a ser transmitida «informação irrelevante durante um período de tempo excessivo».
Por isso, Nuno Campos defende «serenidade» para que não haja recurso «à espectacularidade e ao choque emocional, com alusões a hipóteses e a especulações que em nada contribuem nem para a formação nem para a informação do público», acrescentando que a cobertura ampla que tem sido feita deveria ser aproveitada para «dar indicações precisas aos pais e outros educadores sobre os procedimentos concretos e práticos que devem ser seguidos em circunstâncias idênticas» e ainda «publicitar modos de actuação seguidos por pedófilos, pela pedo- pornografia e por redes internacionais de tráfico de crianças».
O presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, Manuel Villas-Boas, preferiu não comentar o trabalho desenvolvido pelos media portugueses, mas apelou para que «haja um redobrado cuidado para que não se cometam excessos nem atentados ao Código Deontológico», afirmando que, «numa cobertura desta, de circunstâncias difíceis e onde existe uma informação continuada sobre os mesmos lugares e as mesmas pessoas, é necessário que os jornalistas tenham toda a atenção e que se recordem das orientações e normas éticas».
Um artigo que espero gere debate nos comentários.